Mary Wortley Montagu (1689-1762) foi uma escritora e poetisa notável. O nome da aristocrata inglesa ficaria para a História por vários motivos, mas o destaque primordial são as suas “Embassy Letters”. Publicadas postumamente, estas cartas retratam de forma apaixonada a riqueza cultural e social da Turquia otomana. A 1 de Abril de 1717 Mary Montagu escreve à sua amiga Sara Chiswell dizendo que iria “contar uma coisa que te fará desejar estar aqui”.
Em Sófia, a escritora inglesa visitou um hammam. E nesse dia foi revelada, para parte do mundo ocidental, uma das descobertas mais importantes. Cerca de duzentas mulheres, sem distinção social estavam todas num “estado natural, ou, em linguagem comum, nuas em pelo”. Mary ficou impressionada com esta liberdade e igualdade entre elas, mas reparou, essencialmente, numa característica surpreendente. As turcas tinham “pele branca e brilhante”, sem marcas de qualquer doença. Tendo sobrevivido à varíola a inglesa sabia bem como eram terríveis as marcas na pele dos poucos que não faleciam. Ela escreveu “a varíola tão fatal e generalizada entre nós é aqui totalmente inofensiva pela invenção da implantação, que é o que lhe chamam”. E a aristocrata não se limitou a descrever o que viu. Ela vacinou os seus filhos, Edward e Mary, e defendeu publicamente o procedimento, convidando os visitantes a verem os seus filhos após a inoculação.
Assim se iniciava em Inglaterra um longo e tortuoso caminho de defesa da vacinação. Este interessante relato histórico está profusamente descrito no recente livro “Corpos Estanhos. Pandemias, vacinas e a saúde das nações”. Nesta obra o escritor Simon Schama acompanha o leitor numa viagem pelos séculos em que alguns povos fustigados pela doença foram praticando inoculações protegendo as populações. A altivez de muitos ocidentais contribuiu para a resistência à vacinação, mas algumas mulheres e homens observaram a realidade sem preconceito e com método científico validaram um dos maiores avanços da humanidade.
De forma muito sintética podemos definir uma vacina como sendo uma preparação biológica que permite criar imunidade para uma determinada doença. Na maioria das vezes a vacina contém um agente que se assemelha ao microorganismo causador de doenças. Este agente estimula o “sistema de defesa” do corpo a reconhecê-lo como uma ameaça e a destruí-lo. Quem recebe uma vacina mantém uma “memória” imunológica. E assim no futuro o “sistema de defesa” das pessoas vacinadas facilmente reconhece qualquer um desses microrganismos evitando a doença grave.
Muitos dos percursores das vacinas, retratados neste livro de história e de divulgação científica, foram injustamente esquecidos. Mas como escreveu o médico italiano Angelo Gatti (1724 –1798) “a única recompensa que desejo é a alegria de um pai e uma mãe verem os seus filhos ao abrigo do perigo”.
Luís Monteiro